sábado, 11 de outubro de 2008

Diógenes

 

Quem era

1 Diógenes o filósofo

        Chegando em Atenas [Diógenes] deparou com Antístenes. Uma vez que este, que não queria acolher ninguém como aluno, o rejeitava, ele, assiduamente perseverando, conseguiu vencer. E, uma vez que Antístenes estendeu o bastão contra ele, Diógenes ofereceu-lhe a cabeça, acrescentando: “Pode golpear, pois não encontrarás um bastão tão duro que possa me fazer desistir de obter que me digas algo, como a mim parece que devas”. A partir daí tornou-se seu ouvinte e, desterrado como era, dedicou-se a um modesto teor de vida.

            Teofrasto, em seu Megárico, conta que certa vez viu um rato correr de cá e de lá, sem meta (não procurava um lugar para dormir nem tinha medo das trevas nem desejava qualquer coisa considerada desejável) e, assim, cogitou o remédio para suas dificuldades. Segundo alguns, foi o primeiro a dobrar o manto pela necessidade também de dormir dentro dele, e carregava um bornal para a comida; servia-se indiferentemente de todo lugar para qualquer uso, para comer ou para dormir ou para conversar. E costumava dizer que também os atenienses lhe haviam providenciado onde pudesse morar:indicava o pórtico de Zeus e a Sala das procissões. [...]

            Certa vez tinha pedido a alguém que lhe providenciasse uma casinha; como o outro demorava, ele escolheu como habitação um tonel que estava [na localidade do] Metroo, conforme ele próprio atesta nas Epístolas. No verão rolava sobre a areia ardente, no inverno abraçava as estátuas cobertas de neve, querendo de todo modo temperar-se para as dificuldades. [...]

            Durante o dia vagueava com a lanterna acesa, dizendo: “Procuro o homem”.

 Extraído de Diógenes Laércio, Vidas dos filósofos.

 

2 Exaltação do exercício e da fadiga

A vida do Cínico para Diógenes se baseava sobre o exercício e sobre a fadiga, considerados como instrumentos necessários para viver felizes, para saber dominar todos os prazeres e para alcançar a plena liberdade. Um tipo de vida como este levava o homem, por fora de todo vínculo social, a considerar-se cidadão do mundo inteiro, em uma dimensão cosmopolita.

            Dizia que o exercício é duplo: espiritual e físico. Na prática constante do exercício físico formam-se pensamentos que tornam mais rápida a atuação da virtude. O exercício físico se integra e se realiza com o exercício espiritual. A boa condição física e a força são os elementos fundamentais para a saúde da alma e do corpo. Suportava provas para demonstrar que o exercício físico contribui para a conquista da virtude. Observava que tanto os humildes artesãos como os grandes artistas tinham adquirido notável habilidade pelo constante exercício da sua arte, e que os auletes (Tocadores de aulós, característico instrumento de lingüeta com dois canudos) e os atletas deviam sua proeminência a um assíduo e trabalhoso empenho. E se estes tivessem transferido seu empenho também para a alma, teria conseguido resultados úteis e concretos.

           Sustentava por isso que nada se pode obter na vida sem exercício, ao contrário, que o exercício é o artífice de qualquer sucesso. Eliminados, portanto, os esforços inúteis, o homem que escolhe as fadigas requeridas pela natureza vive feliz; a ininteligência dos esforços necessários é a causa da infelicidade humana. O próprio desprezo pelo prazer para quem esteja a isso habituado é algo dulcíssimo. E assim como os que são avessos a viver nos prazeres, logo que passam para um teor de vida contrário, também aqueles que se exercitam de modo contrário, com maior desenvoltura desprezam os mesmos prazeres. Estes eram seus preceitos e a eles conformou sua vida. Falsificou realmente a moeda corrente, porque dava menor valor às prescrições das leis do que às da natureza. O modelo de sua vida, dizia, foi Héracles que nada antepôs à liberdade.

            Interrogado sobre sua pátria, respondeu: “Cidadão do mundo”.

 Diógenes Laércio, Vidas dos filósofos.    

3 Diógenes em confronto com Alexandre Magno

 Muito significativas são as relações que Diógenes teve (ou que, em todo caso, a antiguidade lhe atribuiu) com Alexandre Magno. Especialmente interessantes são os confrontos com este, protagonista histórica da era helenista, e Diógenes que por muitos aspectos é sua antítese: trata-se de confrontos entre duas figuras, entre duas mensagens, que, justamente por ser antitéticas, são expressão de dois pólos espirituais da época. Citamos duas belas passagens, uma de Diógenes Laércio e uma de Plutarco, que estão entre as mais significativas.

              Certo dia Diógenes estava tomando sol no Craneu, quando chegou inesperadamente Alexandre e lhe disse: “Pede-me o que quiseres”. Diógenes lhe respondeu: “Não me faças sombra. Devolve meu sol”.

 Diógenes Laércio, Vidas dos filósofos.

 

            É característica típica da alma do filósofo amar a sabedoria e os homens sábios: justamente esta foi uma característica de Alexandre, mais que qualquer outro rei. Quais tenham sido suas relações com Aristóteles já foi dito. Além disso, é atestado por numerosos autores o que segue: honrou mais do que todos os seus amigos o músico Anaxarco; na primeira vez que se encontrou com Pirro de Élida, deu-lhe dez mil moedas de ouro; a Xenócrates, parente de Platão, mandou cinqüenta talentos; escolheu Onesícrito, discípulo de Diógenes, como comandante de sua armada.

            Quando foi discutir com Diógenes nas proximidades de Corinto, espantou-se e ficou tão maravilhado pela vida e pela posição assumida por este homem, a ponto que, freqüentemente, lembrando-se dele, dizia: “Se não fosse Alexandre, eu queria ser Diógenes”. O que significa: “Se eu não tivesse feito filosofia por meio das obras, em teria me dedicado aos raciocínios”. Alexandre não disse: “Se eu não fosse rico ou Argeades”; com efeito, não colocou a fortuna acima da sabedoria e a púrpura real e a coroa acima do bornal e do manto desgastado, mas disse: “Se não fosse Alexandre, eu seria Diógenes”; o que significa: “Se eu não me tivesse proposto reunir entre si os bárbaros e os gregos, percorrendo todos os continentes para levá-los à civilização, e de alcançar os confins extremos da terra e do mar reunindo a Macedônia com o Oceano para lançar as sementes da Grécia e difundir entre todos os povos justiça e paz, não estaria em ócio no luxo, mas imitaria a simplicidade de Diógenes”.

 Plutarco, Sobre a fortuna ou virtude de Alexandre.

 

4 Diógenes e o símbolo do “cão”

Eis algumas afirmações que Diógenes fez a propósito de chamar a si mesmo de “o cão”.

            Ele se definia um cão daqueles universalmente elogiados, mas, acrescentava, nenhum dos que o elogiavam ousava sair junto com ele para caçar.

            A certo homem que se vangloriava de vencer os homens nas corridas píticas,1 replicou: “Eu venço homens; tu, escravos”.

            Interrogado sobre de qual raça de cão fosse, respondeu: “Quando tenho fome, um maltês, quando estou saciado, um molosso, aquela espécie que as pessoas mais elogiam, mas com a qual todavia não têm coragem de sair para caçar por causa da fadiga. Assim, não podeis conviver comigo, porque tendes medo de sofrer”.

            Alexandre certa vez o encontrou e lhe disse: “Eu sou Alexandre, o grande rei”. Diógenes, por sua vez: “E eu sou Diógenes, o cão”.

 Diógenes Laércio, Vidas dos filósofos.

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